Telegram aumenta risco de desinformação nas eleições e preocupa especialistas
Com uma avalanche de memes, vídeos, áudios, correntes e fake news, parte distribuída por meio de robôs, o WhatsApp foi um dos protagonistas da eleição brasileira de 2018. A um ano do pleito que vai definir o presidente da República, especialistas em segurança da informação apontam que um concorrente deve assumir o posto de “vilão” digital da próxima campanha: o Telegram. (Continua após a publicidade)
Com uma filosofia de mínima moderação, a ferramenta é considerada um terreno mais fértil a campanhas de desinformação e discurso de ódio por esses especialistas. Ao contrário do WhatsApp, que limita grupos a 256 membros e restringe o alcance de mensagens replicadas muitas vezes, o Telegram permite grupos com 200 mil pessoas e compartilhamento irrestrito. Já os canais, ferramentas para transmitir mensagens, têm número ilimitado de inscritos. (Continua após a publicidade)
O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos costumam fazer propaganda de seus canais no Telegram. Ontem, o presidente usou a falha que tirou o WhatsApp do ar durante quase sete horas para tentar atrair seguidores. No Twitter, convocou pessoas a segui-lo no aplicativo, já que “muitas redes sociais encontram-se com instabilidade”. Seu canal está próximo de 1 milhão de inscritos.
— Foi uma estratégia consciente desses grupos que estão atacando o processo eleitoral de migrar em massa para o Telegram, que é um canal de menos probabilidade de fazer diálogo, com menos controle no Brasil. É uma grande ameaça, não só o fortalecimento desses grupos nos espaços digitais como o fortalecimento em espaços menos reguláveis, ou menos dispostos a se autorregular — diz Fernanda Campagnucci, diretora-executiva do Open Knowledge Brasil.
A empresa russa não tem representação legal no país, o que dificulta o acionamento judicial e parcerias com o poder público. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, tenta há meses, sem sucesso, fazer contato com a companhia para incluí-la no Programa de Enfrentamento à Desinformação, projeto que visa às eleições de 2022.
— Na ferramenta de buscas do Telegram dá para encontrar até grupos nazistas. O Telegram precisa ser mais responsabilizado por permitir esse contato direto com assuntos absurdos. É um espaço que vai dar muito problema no ano que vem — afirma Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio).
Crescimento no país
O crescimento da popularidade do Telegram no país é outro sinal de alerta. Levantamento feito no mês passado pelo site MobileTime, em parceria com a empresa de pesquisas online Opinion Box, registrou que a plataforma já está em mais da metade dos smartphones do Brasil (53%). Esse índice era de 15% na campanha eleitoral de 2018 e de 35% na de 2020. (Continua após a publicidade)
— Muitos políticos estão construindo uma infraestrutura a partir desse aplicativo, e isso aponta para um uso pela militância para distribuir conteúdo de forma intensa. Já enfrentamos problemas com aplicativos sem representação no Brasil antes, mas nesse caso é mais grave porque o Telegram cresceu demais — diz Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab.
Além da dificuldade do controle de envio de mensagens, especialistas avaliam que as tentativas de Bolsonaro e seus apoiadores de abalarem a confiança nas urnas eletrônicas deve elevar o grau de instabilidade na próxima campanha.
— Não basta termos bons mecanismos (para garantir as eleições). A gente precisa garantir que o ambiente institucional seja democrático. O TSE tem seus limites — diz Fernanda Campagnucci, integrante da Comissão de Transparência das Eleições (CTE), instituída no mês passado pelo TSE para reforçar a fiscalização e o monitoramento do processo eleitoral.
Dois dias após a Câmara barrar a PEC do voto impresso, em agosto, o TSE anunciou novas medidas para dar mais transparência ao processo eleitoral. Uma das ações é a abertura dos códigos-fonte, inseridos na urna para permitir a votação e a totalização dos votos — a cerimônia ocorreu ontem. Antes, o tempo disponível para inspeção era mais curto: seis meses antes da realização do pleito.
Para Brito Cruz, a eleição de 2022 transcorrerá sob uma tensão inédita pelo fato de que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, considerado por bolsonaristas como desafeto por conta dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, vai presidir o TSE durante o processo eleitoral.
— Será como ter uma final de campeonato de futebol com um dos times entrando em campo já indisposto com o juiz da partida. Isso muda tudo. Vai ter gente disposta a não acreditar no resultado? — questiona Brito Cruz.
Fonte: extra.globo.com
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